Apesar da participação privada em serviços públicos ser vista com desconfiança por boa parte da população por conta das evidências de arranjos espúrios entre políticos e empresários, aumentos de tarifas e captura de órgãos reguladores por quem deveria ser regulado, a observação mais cautelosa do que está em nosso entorno pode oferecer uma visão mais nuançada. De fato, olhando o exemplo brasileiro, diante dos cantados e decantados limites orçamentários e da necessidade de melhorar a agilidade e a qualidade dos serviços prestados à população, governos das três esferas e de diferentes matizes ideológicos têm elegido programas de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPP) como elementos chave para o desenvolvimento: dos ultraliberais em Minas Gerais aos comunistas no Maranhão.

Estados como Bahia, Espírito Santo, Piauí e São Paulo têm sido bem-sucedidos em suas incursões junto ao setor privado para financiar a expansão de sua infraestrutura e atender seus cidadãos, evidenciando que tais parcerias estão além das cores do governo de plantão e que podem gerar valor público caso bem estruturadas. Isto é, programas de concessões e PPP podem gerar maiores benefícios com menores custos a vastas parcelas da população, caso sejam modelados para atrair atores externos idôneos e com capacidade técnica e financeira de forma a evitar provedores incompetentes e corruptos. Naturalmente, o sucesso de tais parcerias requer, por parte de governos, a formatação de estruturas críveis de recompensas e punições para que os agentes privados se empenhem e façam esforços alinhados ao interesse público. Mas, afinal, como anda a agenda de concessões e PPP no Brasil?

O avanço numa agenda de concessões e PPP requer governos fortes sob o ponto de vista técnico e político

Se por um lado temos um histórico de experiências malsucedidas que devemos estudar para identificar as causas de falha e evitar que se repitam, por outro temos diversos casos de sucesso que podem ser compreendidos e replicados. Tomemos como exemplo o programa de concessões de aeroportos. Após o insucesso das concessões gestadas no passado marcadas por projeções de demanda demasiadamente otimistas, pela exigência de participação da Infraero que exigia aportes do poder público e por outras promessas feitas pelo governo que não se concretizaram, o programa de concessões foi revisto. Sem a necessidade de ter como sócias a Infraero e as construtoras locais afetadas pelos ventos da Operação Lava-Jato, o país atraiu diversos atores internacionais com larga experiência e com competência em gestão aeroportuária, antes hesitantes em apostar no mercado brasileiro e realizar os investimentos necessários.

Nessa seara foram arrematados com ágio o direito de exploração de aeroportos como o de Fortaleza, Florianópolis, Porto Alegre, Recife e Salvador. Ainda que análises de impacto mais rigorosas ainda não sejam possíveis de serem realizadas, algumas observações a olho nu nos novos equipamentos concedidos já permitem identificar ações voltadas a melhorar o conforto dos passageiros, sem descuidar da lucratividade das operações, algo crucial para a sustentabilidade dos equipamentos concedidos.

Quem teve a oportunidade de circular recentemente pelo remodelado Aeroporto Internacional de Salvador, arrematado por um operador francês, saberá do que falamos. Além de realizar diversos investimentos para atualizar a estrutura existente e expandir os terminais de embarque e desembarque de passageiros, o concessionário promoveu uma revolução na decoração no aeroporto de forma a refletir a cultura local, conseguindo afastar a imagem de não-lugar tão comum em aeroportos. A flexibilidade do operador privado para tomar decisões, sem as amarras de parceiros indesejáveis e sem eventuais pressões para contratação de fornecedores tradicionais, possibilita a exploração do potencial de competências acumuladas por atores empresariais em benefício dos usuários locais. Pequenos triunfos como esse são essenciais para estimular o clima de otimismo em relação a novos arranjos envolvendo empresas e governos e aguçar o apetite privado de forma mais ampla.

Para que sejamos capazes de atrair mais investimentos privados, precisamos nos atentar para alguns fatores. Sabemos que a presença de competências técnicas instaladas nos governos para selecionar e estruturar bons projetos embora seja condição necessária não é condição suficiente para estimular a atrair atores privados capazes na intensidade que o país necessita. Aqui são imprescindíveis lideranças políticas capazes de promover diálogos transparentes junto as diversas partes interessadas, que não raro agem como pontos de veto a arranjos que modificam o status quo. Gestores públicos legitimados pelo voto, que exponham os prós e contras associados às escolhas que estão na mesa, que mostrem à população quais são as alternativas disponíveis e que não infantilizem o debate com palavras de ordem inócuas são cruciais para gerar confiança para a população e para quem pretende realizar investimentos de longo prazo com retorno não garantido. Incertezas afastam bons parceiros privados que aceitam as regras da competição e somente atraem aqueles que se beneficiam da ambiguidade e dos acertos nos bastidores, algo que o país parece não tolerar mais.

Para tal, lideranças políticas precisam ser capazes de alinhar os diversos membros de sua equipe, evitando o fogo amigo entre pastas com agendas conflitantes, ter boa articulação com o Legislativo e, sobretudo, capacidade de articulação com órgãos de controle tais como Tribunais de Conta, Judiciário e Ministério Público. Dado que os modelos mentais dos operadores do direito, via de regra, são guiados pela interpretação que fazem da legislação, nem sempre alinhada com a geração da melhor relação custo-benefício para a população, é preciso encontrar canais de diálogo de forma serena com esses atores desde o início das modelagens de projetos de concessões e PPP. Embora caiba aos técnicos realizar os debates mais pormenorizados, o respaldo das lideranças dos órgãos públicos para que a interlocução ocorra de forma a preservar os interesses da população é essencial para a estruturação de projetos competitivos e que inspirem a confiança de investidores e, sobretudo, da população.


Fonte: Valor-Opinião, por Sandro Cabral, 08/01/2020