As negociações feitas entre sindicatos dos trabalhadores e empresas devem continuar a ser questionadas no Judiciário, mesmo que a reforma trabalhista seja aprovada. Eventuais abusos acabarão sendo levados aos juízes, segundo advogados. O projeto de lei que trata do polêmico tema deve ser encaminhado ao Congresso Nacional em fevereiro pelo presidente da República Michel Temer. 

A discussão sobre a prevalência do negociado sobre o legislado dividiu os tribunais em 2016. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem mantido negociações questionadas, enquanto o Tribunal Superior do Trabalho (TST) vem anulado cláusulas consideradas abusivas, que vão contra a saúde e segurança do trabalhador, ou que não tenham contrapartidas consideradas vantajosas aos empregados. 

O advogado trabalhista e professor de direito do trabalho da PUC­SP e FGV, Paulo Sérgio João, do escritório que leva seu nome, afirma que, apesar de não conhecer o inteiro teor da proposta de lei, "a pretensão de apaziguar esse conflito de jurisprudência entre os tribunais vai depender da interpretação dos juízes, que têm autonomia para decidir nos casos concretos". 

Ainda que exista uma lei determinando que deva prevalecer a negociação entre as partes, o professor destaca que a proteção mínima ao trabalhador e uma contrapartida na negociação deverão existir, sob o risco do Judiciário anular esses acordos. 

Segundo ele, a empresa que seguir certos requisitos já pode, independentemente de lei, negociar com os sindicatos dos trabalhadores, sem correr grandes riscos. A Constituição de 1988 prevê a flexibilização de direitos trabalhistas, como alteração do contrato de trabalho, redução de
jornada e de salário. "Pela negociação, as empresas podem fazer sob medida aquilo que é possivel dentro da relação trabalhista", afirma João. 

Para que a negociação esteja juridicamente amparada, Paulo Sérgio João recomenda a presença obrigatória do sindicato profissional, que exista uma qualidade no relacionamento sindical e garantia da legitimidade da entidade por meio de assembleia dos interessados. "Se for feito sem a mínima participação dos trabalhadores, o resultado de uma contingência no futuro é extremamente grande", diz. 

O advogado de sindicatos de trabalhadores e da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Marthius Sávio Cavalcante Lobato, afirma que uma lei sobre o tema pode até estimular o Ministério Público do Trabalho (MPT) a questionar negociações consideradas exageradas. O TST e os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) têm revisado esses acordos, em algumas ocasiões, segundo o advogado Thiago de Carvalho Silva e Silva, do PLKC Advogados. "Porém, os tribunais não perguntam para os trabalhadores que negociaram em assembleia se seria vantajoso. 

É difícil  levar a realidade de 150 ou 200 trabalhadores para os tribunais. As vantagens, às vezes, estão no dia a dia dos trabalhadores", diz Silva. O embate sobre o tema chegou aos tribunais superiores em 2015. O Pleno do Supremo decidiu sobre a prevalência de acordos coletivos entre sindicatos e empresas sobre a legislação trabalhista. Sob o rito da repercussão geral, os ministros consideraram válida cláusula que estabelecia renúncia geral a direitos trabalhistas prevista em termo de adesão a programa de desligamento incentivado (PDI) aberto pelo Banco do Brasil após a
incorporação do Banco do Estado de Santa Catarina (Besc).

Em setembro do ano passado, com base nesse julgamento, o ministro Teori Zavascki manteve cláusula que suprimiu o pagamento de horas de deslocamento (in itinere) a trabalhadores de uma usina de açúcar e álcool de Pernambuco, reformando entendimento do TST. E em outubro, o ministro Gilmar Mendes suspendeu por liminar a Súmula nº 277, do TST, que trata da ultratividade das normas coletivas. Ou seja, o texto estabelecia que se não houver acordo entre os sindicatos, mantém­se a validade da negociação anterior. Segundo Thiago Silva, "isso gerou uma crise institucional e o TST reagiu".

Em novembro, o Pleno do TST julgou um novo caso que tratava de negociação sobre horas in itinere e entendeu que a repercussão geral do STF não se aplica porque o caso julgado tratava de PDI. "Com esse julgamento ficamos sem saber em que medida essa negociação coletiva está suscetível à
revisão judicial. Se o Supremo tiver que analisar cada caso específico não haveria razão de existir repercussão geral", diz Silva. 

Para o advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato, os conflitos entre decisões do STF e do TST jamais serão eliminados. "Não se trata de carta em branco. Assim como no processo legislativo em que a lei pode ter questionada a sua inconstitucionalidade, a cláusula normativa negociada também
poderá". Devem continuar, segundo ele, os questionamentos das negociações feitas sem legitimidade dos sindicatos ou da assembleia que a instituiu, assim como as que não oferecem contrapartidas aos trabalhadores. 

José Eymard Loguercio, advogado trabalhista, sócio de LBS Advogados, e assessor jurídico da CUT Nacional, afirma que a proposta apresentada na chamada reforma trabalhista deixa inúmeras categorias de trabalhadores em situação de desvantagem nas negociações coletivas. "Nesse sentido, ela não acaba com conflitos", diz. 

O embate entre TST e STF, segundo Loguercio, tem sido alimentado por setores que buscam a liberação total da prevalência do negociado sobre o legislado. Para ele, o STF tem maior dificuldade para compreender a questão da trabalhista em toda a sua complexidade, já que apenas dois de seus 11 ministros atuaram na Justiça do Trabalho. "No entanto, os casos julgados pelo Supremo não são expressivos. Em ambos, o STF parte de limites fáticos que não podem ser ultrapassados."

Fonte: Valor - Legislação, por Adriana Aguiar, 04/01/2017