Um volume muito alto de investimentos, pouco tempo para elaboração dos projetos, morosidade dos processos de captação dos recursos nos bancos públicos e altas taxas de juros nos privados devem levar os prestadores de serviços de água e esgoto a pedirem o alongamento dos prazos para cumprimento das metas de universalização do saneamento básico para até 2040, e não em 2033, como prevê o marco legal do setor. É o que avalia Neuri Freitas, presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).
“O cenário traz muita preocupação”, diz ele. “Os investimentos são pesados. E temos que pensar na morosidade de captação dos recursos num ambiente em que os financiadores são basicamente bancos oficiais, como Caixa Econômica e BNDES, ou regionais, como o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia, que operam taxas de juros até mais baixas que as das instituições privadas, mas com muita burocracia. A aprovação de um projeto leva no mínimo um ano”, reclama. Procuradas, as instituições não responderam até a conclusão desta reportagem.
A universalização do saneamento exigirá infraestrutura para facilitar o abastecimento de água para 11,2 milhões de habitantes, 65% dos quais residem em áreas rurais, e fornecer coleta e tratamento de esgoto para 53,6 milhões de brasileiros (34 % vivendo no campo), em pouco menos de dez anos.
O cumprimento dessas metas exige investimentos de R$ 598 bilhões, algo como R$ 46 bilhões por ano, de acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), elaborado em 2013, com valores atualizados em dezembro de 2021. Ou R$ 900 bilhões, de acordo com levantamento da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcom Sindicon), realizado pela consultoria KPMG em 2017.
“De qualquer forma, percebe-se que o volume de recursos que se conseguirá para universalizar mais rapidamente depende da capacidade de endividamento que os operadores públicos ou privados conseguirão para financiar seus investimentos por tarifas cobradas aos consumidores e da capacidade de endividamento que os entes públicos – municípios, Estados e governo federal – terão para financiar seus investimentos a partir de impostos”, explica Yves Besse, ex-presidente da Abcon e atual presidente da Sanea Ambiental. “Muitos prestadores de serviços públicos não conseguem mais se endividar para fazer frente às suas obrigações ou estão com sua saúde financeira totalmente degradada”, diz.
Para o ministro das Cidades, Jáder Filho, o governo federal precisa sua parte. “A conjugação de forças é necessária porque ninguém sozinho vai conseguir universalizar os serviços”, destaca. A Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental da pasta possui 904 contratos com investimentos de R$ 40,55 bilhões em andamento. No Novo PAC, o ministério destinou R$ 26,62 bilhões, sendo R$ 10,77 bilhões de Orçamento Geral da União (OGU) e R$ 16,25 bilhões de financiamento pelo FGTS.
Uma das principais instituições de fomento, o BNDES se diz “ciente dos desafios do setor e preparado para financiar o grande volume de investimentos necessários para materializar a universalização”. O banco aprovou R$ 30 bilhões em financiamentos para projetos de saneamento desde 2022. Em 2024, foram R$ 2 bilhões para Estados como Alagoas, Bahia, Piauí, Rio de Janeiro, Paraná e São Paulo.
Outro desafio do setor é carrear os investimentos necessários para atender a zona rural, diz Luiz Gronau, consultor especializado em saneamento da A&M Infra. A consultoria desenvolve em parceria com o governo do Piauí uma alternativa para o estado, que tem cobertura de 70% no fornecimento de água e só 20% de taxa de cobertura de esgoto. Trata-se de uma concessão plena dos serviços para os 224 municípios, incluindo a zona rural do entorno de Teresina.
Dos R$ 8,6 bilhões previstos em investimentos ao longo da concessão, R$ 2,7 bilhões serão destinados à universalização da água e R$ 4,3 bilhões para esgotamento sanitário, atendendo quase 2,5 milhões de habitantes. “O projeto de concessão vai a leilão ainda este ano e deve movimentar toda a cadeia econômica do Estado”, afirma Gronau.
Fonte: Valor Econômico – Por Genilson Cezar — Para o Valor, de São Paulo, 30/08/2024