Estádio Olimpico de Londres - 2012


O que será do Brasil, tão carente em infraestrutura, se grandes empreiteiras não puderem mais prestar serviços ao governo? Essa preocupação ocupa a cabeça de muita gente – e parece ter ocupado várias na Controladoria-Geral da União (CGU). O órgão existe para proteger o patrimônio público e garantir transparência na atuação dos governos. Em dezembro, segundo informou em janeiro o jornal O Globo, a CGU tentou fazer um acordo com o Ministério Público Federal para limitar as punições às empreiteiras envolvidas em fraudes relacionadas à Petrobras. O medo da CGU, segundo O Globo, é o mesmo de muita gente pensante. Se grandes empreiteiras forem declaradas inidôneas, ficarão impedidas de fechar novos contratos com o governo federal.  Isso teria algum efeito sobre as grandes obras necessárias no país. A preocupação da CGU não tem, no entanto, nenhuma razão. Só haveria resultados positivos em um cartel de empreiteiras ser proibido de atuar em obras do governo federal.

O escândalo da Petrobras, apelidado de petrolão, é o maior de todos os tempos no Brasil, um país onde não faltam escândalos. Seria bom que marcasse nossa história não somente pela lamentável destruição do patrimônio público, mas também pelas medidas que tomaremos para impedir que o caso se repita. Talvez a CGU não esteja considerando que na área de obras públicas existem muitas empresas sérias e idôneas que não foram arroladas no caso da Petrobras e que poderiam se incumbir de boa parte das obras de que o país ainda necessita. O que se faz necessário urgentemente é o governo federal adotar mecanismos para que os cartéis não se repitam.

No caso do grupo de grandes empreiteiras brasileiras sob investigação, esperava-se que elas competissem entre si, o que levaria preços menores e melhor qualidade nas obras públicas. Ao trabalhar em cartel, essas grandes construtoras faziam o contrário. Agiam de forma muito bem coordenada, secreta e articulada. Combinavam os preços que iriam pedir, acertavam entre si quem venceria cada concorrência e, consequentemente, aumentavam muito seus lucros, em detrimento da Petrobras – que pagou muito mais por obras que, muitas vezes, eram desnecessárias. Cartéis são proibidos por lei em todos os países porque,  ao evitar a concorrência, prejudicam a sociedade inteira. A competição  entre empresas prestadoras de serviços ao governo tem um efeito imediato óbvio, de beneficiar os cofres públicos, por tornar mais baratas as grandes obras. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem dito que quer fazer um superavit primário em 2015 de 1,2 % do PIB,  algo em torno de R$ 70 bilhões. Só os três principais contratos afetados no caso da Petrobras – as refinarias Abreu e Lima, Comperj e Presidente Getúlio Vargas – envolvem R$ 57 bilhões. Em novembro, o presidente do Tribunal  de Contas da União estimou em R$ 3 bilhões a perda com o superfaturamento de obras pagas pela Petrobras.

A competição para valer entre essas construtoras teria mais efeitos benéficos para o governo e a sociedade, para além do corte de gastos. Concorrência resulta não apenas em preços mais baixos para o governo, mas também em melhor qualidade nos serviços prestados e na busca, pelas empresas concorrentes, das melhores e mais avançadas tecnologias à disposição no mundo.
 
Paulo Feldmann  é professor de economia brasileira na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. É engenheiro com doutorado em administração - (Foto: Claudio Belli/Valor/Ag O Globo)
Apesar de Papai Noel ter passado por aqui há menos de um mês, ninguém acredita que o cartel só atuava na Petrobras. Há fortes suspeitas de atuação idêntica na Eletrobras. Podemos concluir que o atraso brasileiro na área de infraestrutura se deve, em boa parte, a essas práticas nefastas. Convivemos com obras atrasadas, contratadas por preços exorbitantes e que se revelam maiores ainda ao longo da execução do trabalho, como se isso fosse o normal. Se tivéssemos competição e rivalidade para valer entre todas as grandes empreiteiras, a situação seria outra. O governo federal passaria a ter saldo para contratar mais obras, como o saneamento tão necessário aos lares ou a infraestrutura de transportes de que carecem a indústria e o agronegócio. Agora sabemos por que não temos infraestrutura. Senhores advogados da CGU, a sonegação dessas obras ao Brasil por parte de grandes construtoras configura um crime ainda pior do que o consumado no petrolão. O país convive há tempos com uma taxa baixíssima de produtividade, em boa parte devido à carência de infraestrutura. A baixa produtividade crônica é a principal responsável pelo pífio crescimento do PIB nos últimos anos.

Como fazer desse limão uma limonada e começar a resolver esse problema da falta de infraestrutura? Em primeiro lugar, punindo as empresas criminosas e proibindo-as de  atuar em obras públicas por um bom par de anos. Para isso, deveremos atuar em duas frentes simultâneas.

Uma dessas frentes é liberar a atuação das empreiteiras estrangeiras no Brasil. Existem empreiteiras extremamente competentes nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha, no Japão. Raramente elas tiveram permissão para atuar  no Brasil. O cartel não as tolerava, pois sabia que com elas seria difícil combinar preços, vencedores e derrotados. É interessante mencionar que em muitos países, desenvolvidos e em desenvolvimento, atuam empreiteiras estrangeiras, inclusive as brasileiras. Boa parte das 23 empreiteiras brasileiras mencionadas no caso Petrobras tem contratos nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e na África. A sorte delas é que há países em que não existe a reserva de mercado que, por aqui, elas impõem. É necessário impedir que as empreiteiras participem da elaboração dos editais para a contratação das obras em que elas próprias participarão. É nessa hora que elas criam cláusulas que impedem a participação de empreiteiras estrangeiras ou de empreiteiras menores.
 
RUINS  DE PRAZO Obra da Ferrovia Transnordestina em Pernambuco.  Ela se tornou um símbolo de obras atrasadas no país (Foto: Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo)
RUINS DE PRAZO

Obra da Ferrovia Transnordestina em Pernambuco. Ela se tornou um símbolo de obras atrasadas no país (Foto: Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo)

Aí chegamos à outra medida necessária: facilitar a participação das pequenas e médias construtoras e empreiteiras na realização das grandes obras. Fazer como o governo britânico, que, na preparação para os Jogos Olímpicos de Londres de 2012, criou regras de incentivo às pequenas e médias. Por essas regras, todas as obras e construções referentes ao evento, que foi um sucesso,  deveriam incluir na concorrência as pequenas construtoras. Para isso, elas puderam se unir em consórcios. Por causa de medidas como essa, as pequenas empresas inglesas respondem por quase metade do PIB de seu país, enquanto, no Brasil, as pequenas não respondem nem pela quarta parte do que a nação produz. E, comparado a outros  europeus, o Reino Unido não é o país que mais incentiva as pequenas empresas.
Apesar dos pesares, o ambiente empresarial brasileiro avançou muito nos últimos anos. Conseguimos construir um mercado consumidor expressivo que atrai multinacionais de uma miríade de setores e países. 

Só mesmo na área de grandes obras é que elas não puderam vir. Agora, é hora de convidarmos as empreiteiras estrangeiras e fortalecermos a pequena empresa brasileira. Os gestores públicos brasileiros, nas três esferas – federal, estadual e municipal – precisam se conscientizar de que apoiar a pequena empresa brasileira a participar de concorrências é fundamental. Isso contribui com o desenvolvimento, com a formação dos profissionais, dos empresários e executivos das empresas menores. E, nas áreas ligadas à infraestrutura, atenuará a enorme concentração hoje existente de atividades nas mãos de algumas poucas grandes empresas.

Sugiro ainda mais uma medida institucional: o fim da possibilidade de empresas contribuírem com campanhas eleitorais. Não há lógica em permitir isso. Quando as empresas são livres para contribuir com candidaturas seja no Legislativo ou no Executivo, considero evidente que vá predominar o poderio das maiores. Além do mais, para que uma empresa contribuir com um candidato em campanha, se não for para exigir vantagens especiais quando ele for eleito?

De imediato, o que tem de ser feito é acabar com qualquer choradeira nas investigações e na definição de punições. Acabar com o receio de que, se punirmos as empreiteiras do cartel e as tornarmos inidôneas, não teremos mais ninguém para avançar com as grandes obras que se fazem necessárias. Isso é uma mentira. Temos dois ótimos caminhos a trilhar: chamar as estrangeiras  e  criar condições para que as pequenas e médias atuem na construção do país.


EPOCA - 16.01.2015

Deixe um comentário